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Não é mais hora de mitigar os riscos das mudanças climáticas; momento é de adaptação

Segundo painel do evento, intitulado “São Paulo: desafios e medidas de prevenção de desastres em grandes centros” / Foto: Universo do Seguro
Segundo painel do evento, intitulado “São Paulo: desafios e medidas de prevenção de desastres em grandes centros” / Foto: Universo do Seguro

Com eventos cada vez mais frequentes, as cidades precisam se adequar; Não há como prever onde eles irão ocorrer e falta atenção ao bioma marítimo; Para o mercado de seguros, cada evento é um aprendizado não aceitação de riscos, na adequação de produtos e na criação de novos

Idealizado por membros da Academia Paulista de Letras (APL), especializados no meio ambiente, no seminário “Está Chegando o Verão: Mudanças climáticas, urbanização e vulnerabilidades – impactos no curto prazo”, ficou mais do que claro que mitigar riscos não adianta mais. O Brasil e o mundo perderam a oportunidade desde 1992, quando foi realizada a ECO-92, ou Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, e chefes de estados (não todos) se comprometeram a reduzir as emissões de gases de efeito estufa de seus países. 

“O que se entendia na época e os cientistas têm um pouco de culpa nisso, é que achávamos, com certa ingenuidade, que iriam ser tomadas medidas de mitigação para reduzir as emissões. Na época parecia claro que ainda houvesse tempo para que a mitigação funcionasse e muito pouca atenção foi dada”, disse José Goldemberg, PhD em Física, ex-ministro de Educação e de Saúde e Secretário do Meio Ambiente de março a julho de 1992, tendo representado o Brasil na ECO-92.

Saiba mais: Encontro destaca urgência de políticas de prevenção e cultura de proteção diante das mudanças climáticas

Segundo ele, eventos extremos ocorreram no passado, mas estão se tornando cada vez mais frequentes pela quantidade de CO2 emitida globalmente na atmosfera. “No mundo, as chuvas causaram um custo de até US$ 300 bilhões às seguradoras, inexistente há 30 ou 40 anos. Para enfrentarmos o problema nós temos duas soluções: reduzir as emissões ou se adaptar. Cerca de 80% de toda energia usada no mundo provém de combustíveis fósseis, o Brasil é um país fora da curva por ter energia hidrelétrica. A economia mundial depende desses combustíveis fósseis e vai continuar dependendo por muitas décadas”. 

Goldemberg também falou sobre o Brasil no cenário mundial. “O Brasil contribui com aproximadamente 2,5% das emissões globais, não é um grande autor, os grandes são China (30%), Estados Unidos (10%) e a União Europeia (6%). Esses países ricos precisam se conscientizar a ajudar os países em desenvolvimento reduzir as suas emissões é de interesse deles. Os extremos vão ocorrer também nos países ricos, como já ocorreu e vai continuar ocorrendo. O que precisa agora é criar um fundo grande para contribuir para a mitigação e aumentar a resiliência dos países em desenvolvimento. É impossível prever onde o desastre natural irão ocorrer”, defendeu, citando o fundo que foi criado, um seguro para garantir assistência à população das ilhas do Pacífico.  

Um bioma esquecido

O Brasil possui cerca de 10 mil km de costa, 3,5 milhões de km² de áreas marinhas sob jurisdição nacional e mais 712 km² de extensão da plataforma continental. João Lara Mesquita, membro da APL e jornalista especialista em deterioração do litoral, foi enfático ao dizer que quase ninguém no país pensa no bioma marítimo como um bioma. “Para eles, é um espaço de lazer”, declarou.

Mesquita retratou que todas as unidades de conservação foram criadas em biomas terrestres e que somente no governo Temer foi criada a Reserva de Vida Selvagem dos Alcatrazes. Ele também elogiou a atuação do Ministério do Meio Ambiente, Zequinha Sarney, na gestão de Temer. “Fora eles, ninguém (presidentes) olharam para o mar. A costa brasileira está em frangalhos. Desastres como o do carnaval de 2023 são apenas o começo, não tenho dúvidas que haverá outros muito mais fortes”. 

Criador do site Mar sem fim, Mesquita também mostrou um retrato da ocupação irregular na serra do mar no litoral Norte de São Paulo. “Há cinquenta anos, casas foram construídas em áreas de restinga e mangue, e isso acontece até hoje. Em Ilhabela, casas de veraneio foram construídas em morro, em posição quase perpendicular que, se chover forte, vem tudo para baixo. A única cidade que aprendeu com o erro do passado foi São Sebastião, depois de morrer 65 pessoas, uma tragédia mais do que anunciada. Há 20 anos a gente fala para o prefeito da cidade sobre a ocupação na serra do mar”. 

Conscientização

José Renato Nalini, membro da APL e Secretário de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo, contou que a prefeitura de São Paulo foi a primeira do país a criar uma Secretaria de Mudanças Climáticas, em 2021, servindo como modelo para outros municípios. Antes disso, a prefeitura paulistana já tinha criado o PlanClima SP, o Plano de Ação Climática do Município de São Paulo.

“É um plano ambicioso que prevê ações a curto, médio e longo prazos. São 43 estratégias, 56 ações e projetos em curso. Três anos depois, temos 70% desse plano em execução. Notamos que no lugar de mitigação, temos que enfrentar a adaptação. Não basta pensarmos que poderíamos reduzir os efeitos das emissões, isso depende de um concerto mundial e os grandes emissores não estão muito preocupados em fazer a descarbonização, ao contrário”, afirmou o secretário. 

Segundo ele, São Paulo tem três vilões nas emissões: veículos funcionando à base de combustíveis fósseis, energia estacionária e resíduos sólidos. “São Paulo produz 15 mil toneladas diárias do que chamamos de lixo. Em países mais adiantados, tudo isso é convertido em dinheiro, reciclado, reaproveitado, mas por causa da nossa pouca educação ecológica, tudo isso é despejado em aterro sanitário, somente 3% do lixo recolhido em São Paulo vai para reciclagem. Precisamos conscientizar a população de que cada um é responsável por tudo o que estamos sofrendo”. 

Nalini sugeriu a criação de um seguro coletivo. “As seguradoras podem ajudar fazendo essa conscientização, podem pensar em fazer um seguro coletivo, talvez custeado pelo poder público, para socorrer aqueles que não tem dinheiro. Quem vai sofrer é quem mora nas favelas, nos cortiços, os que vão construir às margens das represas, em áreas impróprias, portanto, esses são os que mereceriam uma atenção de um segmento tão poderoso, como o das seguradoras”. 

O papel do seguro e os aprendizados

Antonio Penteado Mendonça, presidente da Academia Paulista de Letras e especialista em seguros, comentou que o Brasil não é famoso por ter um planejamento com foco ambiental ou com foco ecológico. “Ao contrário, nunca planejamos as nossas cidades e nunca planejamos as nossas organizações para agirem depois dos grandes eventos. Tem gente na região serrana do Rio de Janeiro esperando indenizações de tempestades acontecidas há mais de dez anos. As mudanças climáticas já aconteceram, estamos em emergência climática, temos que enfrentar hoje o que já aconteceu ontem”. 

E não só no Brasil. “Basta olhar para a Espanha, o que aconteceu no Rio Grande do Sul e neste ano nos Estados Unidos. Foram dois furacões, o segundo deveria ser o maior do século, o Milton, que chegou a ter uma tempestade tropical. O Helene e o Milton vão custar mais ou menos US$ 100 bilhões em indenizações. As perdas de mais de 200 vidas humanas na Espanha, perdas de vidas no Rio Grande do Sul e nos Estados Unidos, e o que ainda vai acontecer nos próximos meses, é muito mais caro do que US$ 100 bilhões”, expôs Mendonça. 

CEO da Porto Seguro e presidente do Sindicato das Seguradoras de São Paulo (Sindseg-SP), Rivaldo Leite, falou sobre os aprendizados para o mercado de seguros. “Cada evento climático, pela sua magnitude, traz um aprendizado muito grande para o mercado de seguros, não só em aceitação de riscos, mas em adequações de produtos vigentes no mercado. Cada mudança climática nos traz também grandes oportunidades de melhoria de processo e de criação de produtos mais abrangentes para que a população tenha cada vez mais consciência da importância de ter uma apólice de seguro, em um momento tão difícil como esse”.

“Atualmente, 30% das perdas no mundo são seguradas. No Brasil, apenas 10% dos eventos são cobertos por seguros. Precisamos que as estratégias olhem para o seguro e que coloquem um guizo no nosso pescoço,” afirmou Ana Cristina Barros, diretora de Sustentabilidade da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). Para ela, é preciso sinalizar os riscos de forma mais eficaz e integrada ao planejamento preventivo do setor, e as seguradoras podem contribuir incentivando ações antecipadas para enfrentar fenômenos climáticos e fortalecer uma cultura de sustentabilidade.

De acordo com Carlos Queiroz, diretor da Superintendência de Seguros Privados (Susep), “Nós fizemos uma regulamentação para as seguradoras gerenciarem internamente os riscos; todos os riscos que enfatizam a sustentabilidade, os riscos climáticos. Agora, está na ordem do dia incentivar as seguradoras a terem cada vez mais apetite e subscreverem esses riscos. A Susep está preparando um estudo sobre a tragédia que ocorreu no Rio Grande do Sul, porque o seguro fez a sua parte, contratos feitos com a população gaúcha estão sendo cumpridos. Muitas vezes, o mercado segurador atuou além do contrato, entendendo o momento de emergência social”. O objetivo do estudo é a conscientização sobre a importância do seguro.  

Nova data

O seminário foi realizado na Academia Paulista de Letras (APL), no dia 5 de novembro, em parceria com a CNseg e o SindsegSP e o apoio do Estadão. Também participaram dele o Dr. Pedro Ivo Mioni Camarinha (Cemaden/MCTI), 

Bernardo Rossi (ex-prefeito de Petrópolis), Cel. Henguel Ricardo Pereira (Defesa Civil do Estado de SP), Daniele Amaral (INEA-RJ), Dr. Adriano Mota Ferreira (Cemaden/MCTI), que apresentaram ações que estão sendo tomadas em São Paulo e no Rio de Janeiro para minimizar os impactos das mudanças climáticas. A próxima edição do seminário será realizada em setembro de 2025. 

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