Confira artigo de Marcia Rossi, Doutora em Administração, especialista em Direito Tributário, professora e palestrante em Controladoria, Estratégia e Tributos
Nas últimas décadas, temos assistido a uma série de modernizações que buscam deixar a relação das empresas com a sociedade mais transparente, o que é parte essencial dos compromissos ESG. Um dos próximos avanços, propostos pelo Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB), é a norma contábil IFRS 18. A iniciativa, que dá ferramentas para conhecer e avaliar melhor a saúde financeira das companhias, é muito bem-vinda, mas será simples se adaptar ao novo padrão?
Atualmente, cerca de 120 países e jurisdições recomendam ou exigem de suas organizações o cumprimento às regras da International Financial Reporting Standards (IFRS) para a divulgação de dados contábeis. À medida que o cenário global se prepara para a atualização do modelo com a implantação da norma IFRS 18 – de obrigatoriedade prevista para 2027 – as empresas enfrentam três desafios principais.
O primeiro deles corresponde a todo o processo de adoção do padrão, que redefinirá a maneira de contabilizar resultados, sejam lucros ou prejuízos. O segundo está relacionado à compreensão das orientações e requisitos que a Receita Federal estabelecerá em resposta ao projeto. Por fim, com um tempero especial no caso brasileiro, a necessidade de fazer todos os ajustes e se preparar para as complexidades da simplificação da Reforma Tributária.
A IFRS 18, que representa uma virada de chave com a introdução de uma estrutura renovada para a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), passará a ser segmentada em cinco categorias: operacional, investimento, financiamento, impostos sobre o lucro e operações descontinuadas. Esse avanço é notável e impõe a todas as organizações a tarefa de reformular o modo como reportam suas finanças – uma mudança que não apenas reconfigura as demonstrações financeiras, mas também intensifica a transparência e a comparabilidade entre setores.
Essa alteração pode trazer desafios para as companhias com atividades diversificadas. Por exemplo: uma empresa de varejo que conta também com o comércio eletrônico, com logística própria e com soluções de pagamento e crédito – para facilitar as transações online e offline – teria que navegar na classificação de suas receitas e despesas sob a nova norma contábil, com a diferenciação de seus serviços.
Para completar, como se não bastasse a atual indefinição quanto às futuras alíquotas, ao local de consumo de alguns produtos, benefícios fiscais e outras mudanças previstas na Reforma Tributária, ainda há dificuldades associadas às questões legais. A adoção da IFRS 18 esbarra na necessidade de atualização da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), que define a estrutura da DRE em seu artigo 187. A lei limita esse modelo da DRE que poderá se tornar obsoleto com as inovações propostas pela nova norma.
Pelo lado do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), responsável pela adoção das normas IFRS no Brasil, também haverá a necessidade de alinhar a norma à legislação brasileira, o que exigirá colaboração com legisladores e a Receita Federal, bem como a atualização dos sistemas de reporte financeiro, revisão de políticas contábeis e, possivelmente, alterações nas práticas de dedução para fins de tributação direta.
A necessidade de adaptação ao novo padrão contábil e aos requisitos fiscais locais pode exigir um esforço significativo e, em alguns casos, até levar a uma reestruturação interna nos negócios. Os profissionais devem se debruçar sobre o planejamento de suas organizações e se preparar para possíveis projeções. No momento, é imprescindível capacitar equipes para lidar com essa transição, que promete alterar o panorama fiscal e contábil do país.