Dr. Alberto José Niituma Ogata, Doutor em Saúde Coletiva (USP) e Pesquisador associado do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão em Saúde (FGV Saúde)
Em 2024, o Brasil bateu recorde de afastamentos por saúde mental. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, foram quase meio milhão de licenças médicas concedidas devido ansiedade ou depressão, o maior número desde 2014¹. Esse número também representa um crescimento de 68% em relação aos afastamentos em 2023¹.
A crise de saúde mental no Brasil se tornou tão preocupante, inclusive para a economia e produtividade brasileira, que o governo federal anunciou, em janeiro de 2025, uma atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), norma que estabelece disposições gerais sobre as diretrizes e estruturas do gerenciamento de riscos ocupacionais no Brasil. Agora, a NR-1 reconhece os fatores psicossociais como componentes essenciais para a proteção da integridade física e mental dos trabalhadores, obrigando os empregadores a implementarem um planejamento para controle dos riscos ocupacionais relacionados à saúde mental.
Os fatores psicossociais impactam diretamente a saúde mental e a produtividade. Sua inclusão no escopo do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) sinaliza um avanço importante. No entanto, compreender e intervir sobre esses fatores exige um olhar que vá além do ambiente físico de trabalho.
A realidade do trabalhador brasileiro é profundamente marcada por determinantes sociais que afetam sua saúde de forma estrutural. A renda, o grau de escolaridade, a moradia, o acesso a transporte, a segurança e, sobretudo, as desigualdades raciais e de gênero compõem um cenário de vulnerabilidades que não podem ser ignoradas na análise dos riscos psicossociais. Um trabalhador exposto à insegurança alimentar ou à violência urbana está mais suscetível ao adoecimento mental, mesmo em ambientes de trabalho adequados do ponto de vista técnico.
Em uma realidade como essa, é complexo medir o quanto da saúde mental do trabalhador está sendo prejudicada exclusivamente pelo trabalho. E é ainda mais complexo – apesar de extremamente necessário – elaborar planos de ação verdadeiramente efetivos. Não à toa, o governo decidiu adiar a aplicação de multas em relação ao cumprimento da NR-1 por um ano, dando mais tempo para as empresas se planejarem.
De acordo com a 31a Pesquisa de Benefícios Corporativos, realizada pela Mercer Marsh Benefícios, 65% das empresas afirmam ter ações de saúde e bem-estar2. No entanto, se excluirmos ações pontuais como palestras, massagens, salas de descompressão e campanhas de Setembro Amarelo, sobra apenas 16% que desenvolve ações que cumprem todas as premissas necessárias para um programa efetivo2. É necessário assegurar que as empresas promovam um cuidado interdisciplinar e construam ambientes organizacionais que respeitem os limites humanos e possibilitem o desenvolvimento profissional. Gestores e profissionais de saúde devem abandonar a visão de que os fatores psicossociais são “problemas individuais” do trabalhador. Além disso, empresas que oferecem planos de saúde devem se comprometer com o uso qualificado dessa rede, orientando o trabalhador sobre o acesso, estimulando o acompanhamento multiprofissional e monitorando a efetividade dos tratamentos.
Tanto na saúde pública quanto na privada, há o desafio do déficit de médicos psiquiatras para atuar em rede e com acesso adequado aos pacientes. Por isso, a abordagem dos transtornos mentais comuns demanda linhas de cuidado estruturadas com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Protocolos clínicos, acompanhamento contínuo, terapias psicológicas e, quando necessário, intervenções farmacológicas devem fazer parte de uma estratégia integrada, acessível e sustentável — tanto no setor público quanto no privado. A integração entre os serviços da rede pública e privada, quando orientada por princípios de qualidade e continuidade do cuidado, amplia o alcance e a resolutividade dessas ações.
A NR-1, ao incorporar os fatores psicossociais ao gerenciamento de riscos ocupacionais, abre caminho para uma nova cultura de saúde no trabalho — mais humana, inclusiva e integrada. A cultura de saúde não se revela meramente pela contratação de uma consultoria especializada e adoção de “EPIs” em saúde mental, como apenas a oferta de serviços de telepsicologia. Trata-se de uma oportunidade estratégica para as empresas, e não apenas do cumprimento de uma obrigação legal. Ao promover ambientes saudáveis e sustentáveis, as organizações fortalecem seu capital humano, aumentam sua competitividade e contribuem para uma sociedade mais justa. Encarar a NR-1 sob essa ótica é transformar o cuidado com a saúde dos trabalhadores em um ativo corporativo valioso e perene. As empresas que agirem agora terão uma vantagem competitiva no futuro do trabalho.