Famílias empresárias revêem holdings frente a exigências fiscais, transparência e riscos de litígios
O ambiente de planejamento patrimonial e sucessório no Brasil está passando por uma inflexão. Famílias empresárias e investidores, que há anos estruturaram holdings como forma de organizar ativos, reduzir tributos e garantir previsibilidade na sucessão, se veem agora diante de um contexto mais transparente e regulado.
O avanço da digitalização da Receita Federal, somado às novas exigências fiscais sobre estruturas no exterior e ao maior rigor na fiscalização de operações imobiliárias, desencadeou um movimento de revisão desses arranjos ainda neste semestre. A legislação também contribui para esse cenário.
A começar pela Lei nº 14.754/2023, que modificou o regime de tributação de ativos e aplicações financeiras no exterior, trouxe impactos diretos para quem mantinha offshores, trusts e fundações internacionais como instrumentos de diferimento fiscal. “O que antes podia ser vantajoso do ponto de vista tributário hoje pode resultar em dupla incidência de imposto ou em contingências relevantes se não houver adequação. Revisar estruturas antigas deixou de ser uma recomendação e passou a ser uma necessidade”, afirma Mariana Leão, especialista em planejamento sucessório e sócia do escritório Amadiz Advogados.
Embora as holdings sigam como alternativa relevante, o desenho das estruturas mudou de foco. Se na década passada o apelo era majoritariamente fiscal, agora o objetivo central é assegurar governança e reduzir litígios familiares. Um estudo recente da PwC apontou que 67% das famílias empresárias brasileiras estão revisando seus planejamentos sucessórios em 2024, movimento que tende a ganhar força no segundo semestre diante da intensificação de processos sucessórios litigiosos nos tribunais. “O que se busca, na verdade, é criar previsibilidade e clareza sobre a forma de transmissão do patrimônio”, observa Mariana.
Essa mudança de perspectiva se reflete nas cláusulas societárias e sucessórias que passaram a ser reavaliadas. Acordos de sócios que antes privilegiavam apenas a disciplina de voto agora incluem regras detalhadas de distribuição de dividendos, preferência na compra de quotas e políticas de saída de herdeiros.
Estruturas que criam classes distintas de quotas, com atribuição de maior peso político a determinados membros da família, ganharam espaço como forma de preservar a voz dos fundadores mesmo após a sucessão. Em paralelo, surgem dispositivos que condicionam o ingresso de herdeiros a critérios objetivos, como idade mínima ou formação específica, muitas vezes combinados a instrumentos complementares, como testamentos ou pactos antenupciais.
Outro ponto sensível são os ativos imobiliários detidos por holdings. Nos últimos anos, aumentou a atenção dos fiscos estaduais para reorganizações societárias que buscavam reduzir a base do ITCMD. “A prática, embora difundida, hoje é questionada com mais frequência, o que demanda maior sofisticação jurídica e contábil na modelagem. A lógica não pode ser apenas tributária. O ganho está na governança e no alinhamento sucessório, e não na mera tentativa de economia de imposto”, reforça Mariana.
Nesse contexto, o planejamento patrimonial contemporâneo deixou de ser um exercício pontual para se tornar um processo contínuo de revisão. “A integração tecnológica dos órgãos de controle, a pressão regulatória sobre ativos internacionais e o próprio aumento da judicialização das disputas familiares impõem uma atualização constante dos instrumentos. Estruturas bem desenhadas reduzem custos de transmissão, diminuem riscos de litígios e fortalecem a continuidade dos negócios familiares. É uma agenda que combina direito, economia e governança — e que dificilmente pode ser adiada”, finaliza a sócia do Amadiz Advogados.