Confira artigo de Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria
Você abre o e-mail às 6h da manhã. Antes mesmo do café, já respondeu mensagens no WhatsApp, alinhou entregas no Teams e conferiu se a reunião das 8h está de pé. No meio do almoço, aproveita para revisar um relatório. Às 22h, ainda dá aquela espiada no e-mail porque, vai que…
Se identificou? Pois bem. Bem-vindo à paranoia de produtividade, um fenômeno que tomou conta do mundo corporativo e agora domina as empresas brasileiras. Funcionários trabalhando mais, mas entregando menos. Gestores aflitos, porque acham que ninguém está produzindo. Um ciclo vicioso alimentado pelo medo de não parecer ocupado o suficiente.
Este termo foi criado pela Microsoft após uma pesquisa global que avaliou o comportamento de mais de 20.000 colaboradores e revelou um abismo entre a percepção dos gestores e a realidade dos funcionários. De acordo com o estudo, 85% dos gestores não acreditam que seus colaboradores sejam tão produtivos quanto deveriam no modelo remoto ou híbrido — ainda que 87% dos funcionários afirmem desempenhar suas funções muito bem nesse formato.
A pandemia e o home office aceleraram essa crise de confiança. Sem ver a equipe na cadeira, muita gente assumiu que o trabalho não estava acontecendo. O resultado? Uma avalanche de reuniões desnecessárias, cobranças excessivas e uma cultura em que estar sempre online vale mais do que entregar resultado.
No Brasil, a coisa ganhou contornos ainda mais dramáticos. Primeiro porque a cultura do “bater ponto” nunca saiu de moda. A crença de que um bom profissional é aquele que chega cedo e sai tarde continua firme e forte. Segundo porque a insegurança econômica fez com que muita gente aceitasse jornadas cada vez mais longas por medo de perder o emprego.
Um exemplo clássico? O setor financeiro e o de tecnologia. Relatos de profissionais trabalhando até 14 horas por dia se tornaram comuns, muitas vezes sem um ganho real de produtividade. O que vale não é o que se entrega, mas o quanto se está disponível.
Apesar do cenário tenso, algumas empresas já perceberam que trabalhar muito não significa necessariamente trabalhar bem. O Nubank, por exemplo, adotou políticas mais flexíveis, limitando reuniões e incentivando pausas para aumentar a produtividade real. O Google Brasil implementou dias sem reuniões e deu mais autonomia para que os funcionários organizem suas rotinas. Já a Resultados Digitais (RD Station) investiu em programas de conscientização sobre saúde mental e produtividade saudável.
Essas empresas perceberam que, para ter resultado, é preciso confiar na equipe e dar condições reais para que o trabalho aconteça.
Prós, contras e o que vem pela frente
A paranoia de produtividade, como todo fenômeno corporativo, tem dois lados. Entre os aspectos positivos, há um alto senso de urgência, o que pode ajudar empresas a se moverem rapidamente e se destacarem no mercado. Além disso, ambientes exigentes tendem a formar profissionais mais resilientes e adaptáveis. Outro ponto é o impulso à tecnologia e à inovação, já que equipes sob pressão frequentemente buscam soluções ágeis para os desafios do dia a dia.
No entanto, os contras costumam pesar bem mais. O esgotamento físico e mental se tornou um problema grave, com o burnout atingindo proporções epidêmicas. A qualidade das entregas também sofre, pois fazer mais nem sempre significa fazer bem. Além disso, a retenção de talentos se torna um desafio, já que ambientes tóxicos afastam os melhores profissionais.
De qualquer forma, o modelo tradicional de trabalho está ruindo e a paranoia de produtividade é um sintoma claro disso. As empresas que insistirem nessa mentalidade vão perder talentos para aquelas que entenderam que resultado não se mede por horas trabalhadas, mas por impacto gerado.
A pergunta que fica é: até quando vamos confundir excesso de trabalho com eficiência? Se produtividade fosse estar sempre ocupado, WhatsApp seria mais valioso que a Bolsa de Valores.