A inteligência artificial deve ganhar um marco regulatório em breve. Está nas mãos do presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, o relatório final da comissão de juristas encarregada da regulamentação do tema. Para explicar melhor o assunto, o portal Brasil 61 conversou com a advogada e professora de direito civil, comercial e econômico da Universidade de Brasília (UnB), Ana Frazão, que integrou a equipe de juristas responsável pela proposta de regulação.
A advogada deu detalhes sobre a elaboração do relatório. Para ela, a legislação se faz necessária, já que essa tecnologia está cada vez mais presente na vida da população, inclusive na hora de procurar emprego. Ana Frazão explica também o conceito e fala sobre a possibilidade da inteligência artificial substituir a mão de obra humana. Ela alerta para a necessidade de investimentos na educação para garantir que os cidadãos estejam preparados para assumir cargos com mais complexidade, devido ao avanço da tecnologia, e não corram o risco de ficar desempregados.
Brasil 61 – O que a comissão levou em consideração para elaborar a proposta?
A.F. – A comissão se debruçou sobre o tema, aproveitando a melhor experiência internacional para tentar fazer um projeto de regulação de inteligência artificial, baseado em riscos, mas também baseado em direitos, tendo por centralidade a proteção da pessoa humana. Que pudesse, principalmente, sair de uma abordagem, exclusivamente ou prioritariamente, principiológica, para abranger também soluções concretas de aplicação prática e que pudessem não apenas proteger efetivamente os direitos dos afetados pelo sistema de inteligência artificial, como também oferecer parâmetros seguros para os agentes econômicos, já que segurança jurídica e previsibilidade são também valores extremamente importantes para o próprio mercado e para a própria inovação.
Brasil 61 – Quais tecnologias estão inseridas na definição de inteligência artificial?
A.F. – A questão da definição da inteligência artificial ela é bastante desafiadora, mas a comissão sabia que precisaria enfrentar esse problema e exatamente por isso ela dedicou o artigo 4º inciso primeiro é essa definição. É um conceito bastante plástico, que abrange não apenas machine learning (aprendizado de máquina), que talvez seja a tecnologia mais conhecida e mais difundida, mas várias outras tecnologias e inclusive é um conceito aberto que pode incorporar futuras tecnologias, que hoje ainda não são tão conhecidas ou não utilizadas, porque é um conceito que se baseia, na verdade, em uma noção também de propósito e mecanismo de atuação de forma a abarcar qualquer tipo de tecnologia que se adequa a esses parâmetros que foram fixados.
Brasil 61 – Qual a importância de uma legislação específica sobre o tema?
A.F. – Cada vez mais os destinos das pessoas são decididos por sistemas de inteligência artificial, que hoje, muitas vezes, são aqueles que escolhem quem vai ser contratado para um determinado emprego, quem vai ser promovido ou não, quem vai ser demitido, quem vai ter acesso a um produto ou serviço e mediante que condições. Então, a partir do momento em que a inteligência artificial começa a assumir esse protagonismo em nossas vidas, começa também a haver o risco de que, ao fazer esses julgamentos, ao fazer essas referências, ao classificar e rankear pessoas, ela também possa estar violando os direitos dessas pessoas, ela possa estar discriminando pessoas ou determinados grupos e tantos outros aspectos. Por essa razão, é fundamental que haja uma regulação de inteligência artificial a fim de mitigar esses riscos e a fim de assegurar que a utilização da inteligência artificial possa ser compatível com direitos fundamentais da mais alta importância.
Brasil 61 – Quais pontos a senhora destaca na proposta entregue ao presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco?
A.F. – Eu diria que um dos pontos altos do projeto é ter previsto um regime que é flexível e que se adequa ao nível de risco, ou seja, para o baixo risco é um regime regulatório bastante leve. Enquanto que para o alto risco ele é um regime mais rigoroso, mais exigências, exatamente porque a ideia é modular o regime de responsabilidades e deveres dos agentes econômicos de acordo com o risco de tecnologia que eles estão desenvolvendo ou utilizando.
Brasil 61 – Existe um temor popular de que a inteligência artificial substitui a mão de obra humana. Existe a possibilidade disso acontecer?
A.F. – Existe, sim, uma preocupação considerável com isso, a gente já tem visto hoje sistemas de inteligência artificial substituindo ou sendo pelo menos capazes de substituir decisões humanas nas mais diferentes searas. Eu parto da premissa de que não há determinismo absoluto no sentido de que, necessariamente, a utilização das máquinas vai levar a esse desemprego, mas isso pode acontecer, sobretudo, se os governos não adotarem políticas de educação muito intensas desses trabalhadores, porque é claro que, normalmente, a parcela de trabalhadores que é mais afetada por essa automação é exatamente os trabalhadores de baixa qualificação.
Brasil 61 – O que é possível fazer para se preparar para esse cenário?
A.F. – A gente está partindo da premissa de que, em um horizonte muito próximo, novos empregos, novas atividades surgirão diante de outras que passam a ser assumidas pelas máquinas, a gente sabe que essas novas atividades exigem um nível de educação, uma maior sofisticação de capacidades e habilidades por parte dos trabalhadores. Em um país como o Brasil, em que a gente tem um percentual imenso da população que é analfabeto do ponto de vista funcional, isso é um problema imenso. No Brasil, essa é uma preocupação que eu acredito que deve estar no nosso cenário, mas, repito, a solução para o problema não é impossibilitar o avanço da automação sempre que a automação se mostrar mais adequada, me parece que a solução do problema é investir em uma educação exatamente para possibilitar que os nossos trabalhadores consigam assumir novas funções mais qualificados e que, inclusive, revertam para ele maiores benefícios, como, por exemplo, o aumento de salários.