A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou nesta terça-feira (7) pedido de trancamento de ação penal apresentado pelo ex-diretor de meios do Clube de Regatas Flamengo Antonio Marcio Garotti, denunciado pela suposta participação, por negligência, no incêndio ocorrido em 2019 no centro de treinamento conhecido como Ninho do Urubu. O incêndio causou a morte de 10 adolescentes que jogavam na categoria de base do time e deixou outros três atletas gravemente feridos.
Por maioria de votos, o colegiado entendeu que a denúncia apresentou fundamentos concretos para a imputação penal e descreveu as condutas específicas que indicariam a relação do ex-diretor com a tragédia.
De acordo com os autos, os jovens atletas estavam alojados em um contêiner dentro do CT no momento do incêndio. Entre as causas da tragédia, estariam a falta de manutenção do ar-condicionado, a ausência de saída de emergência no local e o uso inadequado dos contêineres como dormitórios.
O ex-diretor – que ocupava o cargo desde 2017 – foi denunciado, em conjunto com dez corréus, pelo crime de incêndio culposo qualificado pelas mortes e pelas lesões corporais.
No recurso em habeas corpus, a defesa do ex-diretor alegou inépcia da denúncia, sob o fundamento de que a acusação não traria os requisitos mínimos previstos pelo Código de Processo Penal para o seu recebimento. A defesa também alegou que a denúncia traria lacunas e não teria descrito com precisão os fatos imputados ao acusado.
Ex-diretor teria conhecimento das irregularidades no alojamento dos jovens
No voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado, a ministra Laurita Vaz destacou que o Ministério Público do Rio de Janeiro, ao apresentar a denúncia, apontou que o ex-diretor de meios tinha influência central na cadeia de tomada de decisão do Clube de Regatas Flamengo, havendo indícios de que ele, em conjunto com os corréus, violou o dever jurídico de cuidado e negligenciou as medidas de segurança das categorias de base do time.
Ainda segundo o Ministério Público, Garotti e os outros acusados teriam conhecimento expresso das irregularidades no acolhimento dos adolescentes no CT, em especial no tocante à inexistência de autorização legal para o uso dos contêineres como alojamento para os jovens.
"No caso sub examine, entendo que, ao contrário do alegado, a narrativa da peça acusatória descreve satisfatoriamente a conduta imputada ao recorrente, permitindo-lhe, sem qualquer dificuldade, ter ciência da conduta ilícita que lhe foi imputada, de modo a garantir o livre exercício do contraditório e da ampla defesa", afirmou a ministra.
Denúncia descreveu envolvimento do acusado e informações para início da ação penal
Laurita Vaz apontou que não há como considerar inepta denúncia que apresenta os elementos para a tipificação do crime, demonstrando o suposto envolvimento do acusado e trazendo informações suficientes para a deflagração da ação penal.
Em seu voto, a magistrada também registrou precedentes do STJ no sentido de que a decisão que recebe a denúncia, nos termos do artigo 396 do Código de Processo Penal, não exige motivação profunda ou exauriente, inclusive sob pena de julgamento antecipado do mérito. A decisão final, enfatizou a ministra, só ocorrerá após o devido processo legal e o desfecho da instrução criminal, com o respeito às garantias da ampla defesa e do contraditório.