Confira análise de Maíra Liguori, diretora da Think Olga e Think Eva
Chegamos ao fim do Agosto Lilás, mês de visibilidade à Lei Maria da Penha e conscientização da população contra a violência doméstica e intrafamiliar, instituída nacionalmente em 2022, pela lei 14448. Com engajamento da sociedade civil organizada, pautas na imprensa e divulgação de estatísticas, o balanço do primeiro ano de ações traz luz a grandes esforços, mas ainda temos poucos pontos para comemorar.
Há algumas semanas, foi lançado um documentário sobre a história da Maria da Penha – contada pelo ponto de vista de seu agressor. O material não será mencionado nominalmente por motivos óbvios. Partindo de uma premissa jornalística de ouvir “o outro lado da história”, gravaram uma versão fraudulenta, que já foi condenada pela justiça e que levou seu agressor à prisão.
O documentário agride a imagem de uma das maiores representantes na luta de combate à violência contra a mulher, que foi baleada pelo marido enquanto dormia e perdeu de forma permanente o movimento das pernas.
E, então, campanhas de desinformação ganham status de documentário, militantes de extrema direita ganham status de “jornalistas” e fake news se disseminam sem nenhum freio ou punição. Há algumas semanas, ao googlar o termo Maria da Penha, facilmente era possível acessar a lei que leva seu nome e que é um dos maiores instrumentos de proteção às mulheres em situação de violência.
Desde o lançamento, entretanto, as posições no ranking de buscas são disputadas por links do documentário mentiroso e conteúdos derivados dele, que não apenas desrespeitam a história dela, mas desinformam a população e dificultam o acesso à lei na Internet. As consequências disso são devastadoras e colocam em xeque os esforços da luta do movimento de mulheres até aqui.
Na contramão deste movimento misógino, o Senado aprovou um projeto que garante o pagamento de auxílio-aluguel, por até seis meses, à vítima de violência doméstica. O texto segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e estabelece que o benefício seja uma das medidas protetivas de urgência, dentro da Lei Maria da Penha.
Outra acão importante foi a iniciativa da Bancada Feminista de vereadoras do PSOL, em São Paulo, que lançou uma carta aberta com assinaturas de mais de 200 entidades pedindo a instalação de uma CPI para investigar o enfrentamento ao assédio sexual na cidade de São Paulo.
O pedido foi motivado pelo aumento desproporcional das violências de gênero na cidade, que teve índices 17% de crescimento nos casos de feminicídio, por exemplo, o que não ocorreu em nenhuma outra metrópole do Brasil. Este índice sugere omissão do poder público, seja nos equipamentos da rede de assistência, seja na linha de enfrentamento e prevenção. Por isso a pertinência de uma CPI, que ainda sofre com o preconceito de gênero dos vereadores e leva à despriorização do projeto na pauta. “Nenhum projeto de lei que contenha a palavra GÊNERO sequer foi votado nos últimos anos nesta casa”, disse Luciana Veloso Baruki, doutora em direito e autora do livro “Riscos Psicossociais e Saúde Mental do Trabalhador.”, em evento na Câmara, no último dia 21 de agosto.
Estamos falando de um legislativo que dá as costas às mulheres, que partidariza a questão e coloca os movimentos de mulheres como “inimigos a serem combatidos”, enquanto os índices só aumentam.
Ao fim deste mês, celebramos as feministas que não deixam a luta arrefecer, enquanto cobramos um poder público atuante, intencional e que proteja as mulheres. E que, enquanto sociedade, possamos entender de uma vez por todas: em violência contra a mulher se mete a colher.